Divulgamos abaixo artigo que pensamos ser de interesse para os portugueses e amigos de Portugal, sobre o português filo-heleno António de Almeida.
https://el.wikipedia.org/wiki/%CE%91%CE%BD%CF%84%CF%8C%CE%BD%CE%B9%CE%BF_%CE%91%CE%BB%CE%BC%CE%AD%CE%B9%CE%BD%CF%84%CE%B1A rua António de Almeida, em Koukaki-Atenas, presta-lhe
homenagem.
Leonídio Paulo Ferreira
20 Fevereiro 2021
Tal como a embaixada, a residência oficial do embaixador da
Grécia fica no Restelo (que disputa com a Lapa o estatuto de bairro diplomático
de Lisboa), e acaba por ser fácil de encontrar tanta é a visibilidade lá no
topo do mastro da bandeira com a cruz e as listas em azul e branco. Este brunch
com Ioannis Metaxas, o diplomata veterano que há dois anos está em Portugal, é
realizado numa sala ampla, com janelas abertas para o jardim, e a mesa onde nos
sentamos a conversar em português (já explico!) tem comprimento que chega e
sobra para a distância que a lei exige nestes tempos de pandemia. Apesar da covid-19
e dos confinamentos a que obriga, o embaixador grego quase de certeza tem sido
dos mais atarefados nas últimas semanas, pois teve de organizar em janeiro a
visita do seu primeiro-ministro e logo depois a do ministro dos Negócios
Estrangeiros. E agora está empenhado em assinalar os 200 anos do início da
Guerra de Independência da Grécia, 1821.
"Celebramos 200 anos do início da Guerra de Independência, mas também da
organização do Estado grego moderno, já que existia uma experiência ao nível
das autarquias que permitiu começar a organização do país. Aquele período entre
1821 e 1832 é considerado a Primeira República Helénica. Nele organizaram-se
instituições que existem ainda. O país votou a primeira Constituição em 1822. O
primeiro governador, que era uma espécie de presidente da República, Ioannis
Kapodistrias, veio para a Grécia em 1828, já depois de ter deixado de viver na
Suíça e na Rússia, da qual foi ministro de Negócios Estrangeiros. Exerceu os
seus deveres até 1831 e lamentavelmente foi assassinado e foi o coronel António
de Almeida quem prendeu um dos dois assassinos. Foi o grande momento de Almeida
na Grécia", explica, enquanto bebe café, Ioannis Metaxas, ateniense de 64
anos, jurista de formação, um apaixonado por história e fluente em português.
"António de Almeida era um oficial português, que
serviu no exército até à Guerra Peninsular. Mais tarde integrou a missão
filo-helena do coronel Fabvier e chegou à Grécia em 1825, participou em várias
operações de tornou-se coronel de cavalaria. Podemos considerar hoje que é um
dos cofundadores do exército grego moderno."
Ora, que mistérios estão por trás de um militar chamado Almeida a capturar o assassino de Kapodistrias e de um embaixador grego a falar português com à-vontade? Vamos por partes. Primeiro, esclareçamos o segundo mistério: é casado desde 1987 com uma portuguesa, a qual conheceu quando era ela diplomata em Atenas. "Decidi ao casar-me aprender português e candidatei-me a um posto em Brasília." O francês era a língua do namoro, mas tanto um como o outro se esforçaram por saber as duas línguas do casal. Com o filho, a técnica foi a habitual: cada pai falava com ele na sua própria língua e o menino Andreas Alberto, hoje já adulto e a viver em Inglaterra, entendia-os na perfeição. Já o segundo mistério é um objeto de estudo muito querido para o meu anfitrião, que sabe tudo sobre esse alentejano (de Elvas) de armas: "António de Almeida era um oficial português, que serviu no exército até à Guerra Peninsular. Mais tarde integrou a missão filo-helena do coronel Fabvier e chegou à Grécia em 1825, participou em várias operações e tornou-se coronel de cavalaria. Podemos considerar que é um dos cofundadores do exército grego moderno. Serviu como governador nas duas capitais da época, primeiro Aegina e depois Nafplion. Mais tarde tornou-se general. Casou-se com uma descendente da grande família dos Mavrokordatos. Teve dois filhos, os filhos tiveram filhos e um deles, também António de Almeida, tornou-se um herói porque participou na Guerra Greco-Turca de 1897 e depois foi voluntário na Guerra Balcânica de 1912 e morreu em combate. Esse neto é interessante porque cofundou o clube de ténis de Atenas, que ainda existe. Foi campeão de ténis."
Lord Byron foi o mais famoso dos filo-helenos. Houve um grande movimento de
filo-helenismo na época, misturado com os ideais da Revolução Francesa. Comités
de apoio surgiram em França, Itália, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos.
"Tinham conhecimento do passado e sentiam ser seu dever ajudar os gregos a
recriar o seu Estado", diz.
Já a nível dos Estados, foi bem diferente. Como sublinha Ioannis Metaxas,
bebendo segundo café, "no início nenhum país ajudou a Grécia. Aos poucos,
tornou-se claro que seria necessário resolver este assunto. Tal como hoje
existe um assunto internacional e as potências decidem resolvê-lo. Os primeiros
a ajudar foram os britânicos, que reconheceram os gregos como beligerantes, em
1823. E devo saudar o facto de o príncipe Carlos ter decidido representar o
Reino Unido nas celebrações que vão ocorrer a 25 de março. Estará lá se a
pandemia o permitir. Depois os governos francês e russo mostraram interesse.
Mais tarde aconteceram dois grandes eventos. O primeiro foi a famosa batalha
naval de Navarino, onde a frota conjunta britânica, francesa e russa aniquilou
a frota turco-egípcia. Ao mesmo tempo houve a Guerra Russo-Turca e em conjunto
estes acontecimentos resultaram no fim das operações no território grego, o
reconhecimento primeiro do Estado como autónomo e em 1830 o reconhecimento já
como Estado independente".
Repito também o café, que foi acompanhado por uns bolinhos e um sumo de
laranja, e pergunto se os gregos foram a primeira nacionalidade do Império
Otomano a libertar-se. Sim, pois os sérvios começaram antes a luta, mas
demoraram mais. Contudo, milhões de gregos mesmo depois de 1830 continuaram a
ser governados pelos sultões otomanos, sobretudo os que viviam em
Constantinopla, a atual Istambul, e na costa oriental do mar Egeu, incluindo as
ilhas.
"A Grécia inicial era muito pequena. Peloponeso, a Grécia continental e as
ilhas Cíclades. Salónica só em 1912. Creta também", nota. E as fronteiras
atuais "são da integração das ilhas do Dodecaneso, já depois da Segunda
Guerra Mundial. Já que todas aquelas ilhas eram habitadas por gregos desde a
Antiguidade considerou-se normal que com o Tratado de Paris, que acabou a
guerra com a Itália, voltassem à Grécia". Eram italianas desde 1911, por
causa da Guerra Italo-Turca.
A escolha de Atenas, a cidade de Péricles, como capital tem uma história
curiosa. Como era hábito no século XIX, "foi-se buscar um príncipe alemão
para rei. E o pai de Otão, Luís I da Baviera, que conhecia a história,
influenciou o filho dizendo que tinha de colocar a capital numa cidade com um
grande passado. Até então era Nafplion".
Na sua busca inicial por um monarca, os independentistas gregos chegaram a propor
o trono a D. Pedro, então príncipe regente no Brasil e futuro imperador do
Brasil e rei de Portugal. Mais tarde, como explica o diplomata, as três
potências acordaram que a Grécia não podia ter um monarca ligado a uma das suas
famílias reais, quer dizer, nem britânico, nem francês, nem russo. Naquele
contexto escolheu-se Leopoldo de Saxe-Coburgo, que entrou em contacto com
Kapodistrias, que mandava cartas explicando a situação. Leopoldo entendeu que
tornar-se rei da Grécia seria um grande sacrifício, digamos assim. Mais tarde
foi rei dos belgas e com sucesso. Depois do assassínio de Kapodistrias, e
naquele tempo a mãe de todos os reinos era a Alemanha, escolheu-se um príncipe
da Baviera. Chegou em 1833, com 16 anos. Aprendeu a falar grego muito bem. Até
depois de sair da Grécia falava com a rainha Amália em grego - ela também
aprendeu a língua. Quando em 1862 as potências escolheram outro rei para o
país, o filho do rei da Dinamarca, que chegou com o nome de Jorge I e fundou a
dinastia que existe ainda, apesar de não reinar mais". O príncipe Filipe
de Inglaterra, marido de Isabel II, é da família real grega e daí a dupla
relevância de Carlos ir aos festejos.
Comento que numa das minhas idas à Grécia comprei uma história do país que
enfatizava a democracia, não a do século V a.C., mas a do século XIX.
"Houve uma história constitucional grega forte. Introduziu-se na segunda
parte do século XIX o princípio de um governo ter o apoio da maioria do
parlamento, o que é uma vitória do sistema representativo democrático. Com o
rei Jorge I já o primeiro-ministro tinha apoio da maioria do parlamento, o que
não era o caso noutros países. Podemos dizer que apesar das dificuldades a vida
democrática evoluiu bem na Grécia. Foi um período de monarquia constitucional.
Houve a Segunda República de 1924 a 1935 e hoje estamos na terceira",
explica. Foi em 1974, tal como Portugal, que os gregos se libertaram da
ditadura, e nesse ano houve um referendo que aprovou a República.
Língua do império romano do oriente era o grego
Ioannis Metaxas tem grande orgulho no passado do seu país, e admite que a
Antiguidade faz muito pela imagem nacional, basta pensar na beleza da Acrópole
de Atenas, mas alerta que "a visão sobre a Grécia não se pode focar apenas
na Grécia Antiga. Houve também o período do Império Romano do Oriente, desde
Constantino, o Grande, até à queda de Constantinopla. Com fronteiras diferentes
ao longo da história. E podemos dizer que a Grécia é um dos países herdeiros
desse império e do ponto de vista cultural o mais próximo dessa herança. A
independência da Grécia na Antiguidade acaba no momento em que os romanos
chegam à Grécia, em 146 a.C. Depois há um grande período em que a Grécia é uma
província romana e existe grande interação entre as duas civilizações. E depois,
com a cisão do império, a parte oriental desenvolveu-se sempre com a língua
grega e com as tradições gregas. Chamava-se Império Romano mas era um Estado
onde a civilização e a língua gregas eram omnipresentes, e esse país medieval
sobreviveu até ao século XV. Para os gregos é importante esse sentimento de
descenderem de um grande país medieval".
Pequeno país do Mediterrâneo Oriental, "a Grécia está numa região onde
Europa, Ásia e África se encontram, três áreas geográficas, e esse encontro até
acontece em termos geotectónicos", sublinha, para logo acrescentar que o
país evidentemente faz parte da União Europeia, tenta ajudar os países dos
Balcãs a aderir, promove a relação com os amigos árabes, sobretudo Egito,
Líbia, Síria, Líbano e Jordânia, aos quais chama "vizinhos
históricos", tem uma relação muito interessante com Israel, e claro uma
relação muito forte com Chipre, onde a maioria da população é de gregos. Nota
ainda o bom entendimento com a Arábia Saudita, "que era muito helénica até
Maomé e o islão", e com o Koweit, "é preciso não esquecer que a
Cidade do Koweit era uma Alexandria. Foi fundada durante o Império de
Alexandre".
Peço ao embaixador que me fale da relação com a Turquia, o principal país
herdeiro desse Império Otomano do qual a Grécia se libertou há dois séculos.
"Todos os governos gregos querem uma relação muito estreita com a Turquia,
a Turquia em 1999 foi admitida como candidata à UE com o acordo da Grécia.
Apoiámos todos estes anos uma boa relação da UE com a Turquia, mas depende da
Turquia entender que o caminho entre a Grécia e a Turquia é o do respeito pelo
direito internacional, incluindo o direito do mar, o definido pela UNCLOS,
também um acquis europeu. A Turquia é um país importante, ninguém na Grécia
quer que as relações com a Turquia piorem."
Voltamos à relação bilateral e percebe-se como Portugal é tão especial para o
diplomata, que fala com gosto das Descobertas, nota que Juan de Fuca, que
navegou na costa ocidental do Canadá ao serviço de Filipe II, era um grego, tal
como havia gregos na frota de Magalhães, um deles, de Chios, um dos 18 que
regressaram com Elcano a Espanha, fazendo a circum-navegação. Também a língua
portuguesa lhe é querida, notando que talvez 30% das palavras tenham origem
grega, e nem sempre as óbvias, mas também, por exemplo,
"assintomáticos", que até pronunciamos igual.
"Relações diplomáticas em 1837, primeira apresentação de credenciais em
1838, à rainha D. Maria II, Embaixada da Grécia em Portugal desde 1946, grande
número de acordos em vigor, cooperação estreita dentro da NATO e da UE,
relações sempre agradáveis entre diplomatas de ambos os países (falou da
amizade com a família de diplomatas Mathias), comércio que não é grande mas
cresce, turismo que antes da pandemia estava a crescer bem, investimento da
EDP", refere Ioannis Metaxas, agradecendo ainda a ajuda da GNR e da
Polícia Marítima à Operação Poseidon que no âmbito do Frontex vigia as águas
gregas e o acolhimento de refugiados vindos da Síria e não só. "E total
apoio aos objetivos da presidência portuguesa da UE", acrescenta este
diplomata que, ainda muito jovem, quando estava no serviço de protocolo do
Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi o organizador da visita em Atenas de
Mário Soares, então primeiro-ministro, um momento que nunca deixa de salientar.
Despedimo-nos. E recomendamo-nos mutuamente cuidado redobrado neste tempo de
pandemia. Ah, já agora, pandemia também é uma palavra grega, uma dos tais 30%.
https://www.dn.pt/cultura/um-alentejano-combateu-na-guerra-da-independencia-grega-13372283.html